Foi com o 25 de abril que se permitiu às pessoas com deficiência (PcD) sair da esfera familiar e passarem a ser vistas por todos. Até à data a situação da deficiência em Portugal era um problema exclusivamente das famílias e a sua educação da sua inteira responsabilidade. Foi a revolução dos cravos que permitiu que se criassem as primeiras instituições especializadas para as PcD, até então ao cuidado das suas famílias. Surgia o desejado espaço de capacitação e promoção de autonomia e de libertação para as famílias.
Paralelamente ao nascimento das instituições portuguesas, surgiam em muitos países, sobretudo de origem anglo-saxónicos, os movimentos de desinstitucionalização, conhecidos pelo slogan “Nada sobre nós, sem nós”. Este grupo de pessoas oriundas de instituições semelhantes àquelas que acabavam de nascer em Portugal, consideravam que estas não respondiam às suas verdadeiras necessidades. Obviamente que o período conturbado do fim da ditadura que se vivia em Portugal era muito distinto de outras realidades. Havia necessidades práticas e imediatas, a prioridade relativamente às PcD era retirá-las do espaço família, muitas vezes precário. Não tinha chegado ainda a hora para se refletir sobre a autodeterminação da PcD.
Cinquenta anos após a revolução do 25 de abril, as PcD começam a conquistar o seu espaço. Nos últimos anos tem se verificado, sobretudo, em sociedades democráticas um enfoque cada vez maior nos direitos humanos (Díez, 2012; Fontes 2016; CDPD, 2006). A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência CDPD (2006) veio revolucionar o paradigma da deficiência, o papel e a responsabilidade das sociedades (Díez, 2012, Pinto, 2015).
A deficiência deixa de ser uma questão da PcD e da sua limitação motora, física, mental ou intelectual, para passar a ser uma questão das barreiras sociais, atitudinais ou arquitectonicas que impedem a sua participação. O foco passa definitivamente para a acessibilidade do meio envolvente, descurando a ideia da cura da PcD. Define-se acessibilidade pela facilidade com a qual os produtos ou serviços podem ser utilizados, visitados ou acedidos pela população em geral e, especialmente pelas PcD (Díez, 2012). Segundo o autor, um produto é acessível, se uma PcD o pode utilizar ou usufruir da mesma forma do que uma pessoa sem deficiência. Embora o termo acessibilidade seja, muitas vezes, associado exclusivamente às questões físicas e arquitetônicas, é sabido que a acessibilidade deve ser entendida de forma mais lata. Segundo Garcia et al. (2007), “aplica-se às estratégias, ações e recursos criados para eliminar barreiras físicas, mas também intelectuais ou sociais, para permitir o usufruto por parte da maioria das pessoas” (p. 9-10). Verifica-se neste paradigma uma valoração da diversidade e um reconhecimento da pessoa, independentemente da sua necessidade de adaptação ao meio.
Cinquenta anos após a criação das primeiras respostas especializadas para a PcD em Portugal, chegou a hora de discutir a sua representatividade e autodeterminação, mas acima de tudo, aprender a respeitar as suas opiniões e decisões. Há coisas que apenas podem ser decididas pela própria pessoa.
A representatividade das PcD não pode passar exclusivamente pelas instituições tradicionais ou famílias, é preciso convidar ao diálogo e ouvir o que têm para dizer sobre as suas vidas. Perceber e respeitar de que há cada vez mais PcD a tomar as rédeas da sua própria vida. Realçar que a luta pela liberdade nunca deixe de parte as PcD.
Liberdade para decidir tudo sobre mim!
Referências
Díez, E. (2012). Accesibilidad y Diseño universal. In M.A.Verdugo & R.L. Shalock. (Coords) Discapacidad e Inclusion Manual para la Docencia (pp. 405-421). Amarú Ediciones.
Fontes, F. (2016). Pessoas com Deficiência em Portugal. Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Garcia, A., Mineiro C., & Neves J. (2017). Guia de Boas Práticas de Acessibilidade, Comunicação Inclusiva em Monumentos, Palácios e Museus. Lisboa. Direção Geral do Património Cultural (DGPC) & Instituto do Turismo de Portugal. Consultado a 30 de junho de 2022 em
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicos/acessibilidade/guiaco municacaoacessivel_inclusiva.pdf
Organização das Nações Unidas (2006). Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Consultado a 11 de novembro de 2021 em http://www.inr.pt/content/1/1187/convencao-sobre-osdireitos-das-pessoascomdeficiencia
Pinto, P.C. (2015). Modelos de abordagem à deficiência: que implicações para as políticas públicas? Revista de Ciências e Políticas Públicas, vol.1 (1), 173-201.
(MS)